terça-feira, 2 de junho de 2009

Minha lista de aves do Pantanal

Coloco abaixo, só para compartilhar, minha lista de pássaros do Pantanal. Não mudo nada. A lista é trilingue: inglês, português e latim (científico). Há notas em espanhol. Nos nomes em português aparecem também versões pantaneiras. Por que inglês primeiro? Porque a lista era para o meu cliente estrangeiro especialmente os de lingua inglesa, brancos, classe média alta ou ricos (mas não milionários) e geralmente protestantes. A lista tinha o propósito também de divertir os hoteleiros de Miranda especialmente o Aristeu Symczak do Hotel Pantanal. Eles riam quando eu dava explicações do tipo: vamos ver principalmente psitacídeos à tarde, caprimulgídeos na boca da noite e de manhã acordaremos com o canto de icterídeos - isso no centro de Miranda ou no máximo a um KM de distância do centro. Os nomes em português estão em itálico. Hoje noto que há alguns problemas, primeiro porque quando passei para o blog a formatação de lista se perdeu. Há coisas que nem me lembro porque fiz. Estou trabalhando nas mudanças!


Lista de algumas aves do Pantanal - Matogrosso do Sul
Lista de algunas aves de Pantanal - Matogrosso do Sul
List of some birds in the Pantanal of Southern Mato Grosso, Brazil

RHEIDAE
Greater Rhea Ema Rhea americana

TINAMIDAE
Spotted Tinamou Codorna Nothura maculosa
Red winged Tinamou Perdiz Rhynchotus rufescens
Small billed Tinamou --- Crypturellus parvirostris
Undulated Tinamou Jaó Crypturellus undulatus

PELECANIDAE
Neotropic Cormorant Biguá preto Phalacrocorax olivaceus**
Anhinga Biguá-tinga Anhinga anhinga**

CICONIDAE **
White-necked heron Garça cinza Ardea cocoi
Great Egret Garça branca Casmerodius alba
Snowy Egret Garça branca-pequena Egreta thula
Cattle Egret Garça companheira Bubulcos egreta
Whistling Heron Maria-faceira Syrigma sibilatrix
Rusfescent Tiger Heron Socó-boi-grande Tigrissoma lineatum
Pinnated Bittern Socó-boi Botaurus striatus
Striatated Heron Socozinho Butorides striatus
Black-crowned night-heron Socozinho dorminhoco Nyctorax nyctorax
Manguari Stork Tabuiaiá/ João Grande/ Cegonha Ciconia maguari**
Jabiru Tuiuiú / Jaburu Jabiru mycteria**
Woodstork Cabeça-seca Mycteria americana**
Buff-necked Ibis Curicaca / Despertador Theristicus caudatus**
Plubeos Ibis Curicaca Real / Chumbo Theristicus caerulescens
Green Ibis Tapicurú / Chapéu velho Mesembrinibis cayennensis
Bare-faced Ibis Tapicurú-preto/ maçarico Phimosus infuscatus
White-faced Ibis Caraúna Plegadis chihi
Roseate Spoonbill Colhereiro Ajaja ajaja**

ANSERIFORMES
Southern Screamer Tachã / Anhúma-póca Chauna torquata **
White-faced tree-duck Treré/ Marreca piadeira Dendrocygna viduata
Black-bellied tree-duck Marreca cabocla Dendrocygna autumnalis
ulvous tree-duck Marreca caneleira Dendrocygna bicolor
Brazilian duck Marreca Ananaí Amazoneta brasiliensis
Muscovy duck Pato-do-mato/ Patão Cairina moschata **

FALCONIFORMES
Black vulture Urubu comum Coragyps atratus
Turkey vulture Urubu-de cabeça-vermelha Cathartes aura
Lesser-yellow-headed-vulture Urubutinga/urubu-de-cabeça amarela Cathartes burrovianus
Snail kite Gavião caramujeiro Rosthramus socialbilis
Black-collared kite Gavião-belo ou velho Bussarelus nigricolis
Savanah Hawk Gavião-casaco-de-couro Heterospizias meridionalis
Great Black Hawk Gavião-preto ou negro Buteogallus urubutinga
Crested Caracara Carcará / Carancho Polyborus plancus
Yellow-headed Caracara Carrapateiro / Pinhé Milvago chimachima

GALLIFORMES
Rusty-margined Guan Jacupemba Penelope superciliaris
Chaco Chachalaca Aracuã Ortalis canicollis**
Black-fronted curassow Mutum Crax fasciolata
?-piping Guan Jacutinga Penelope pipile
?- piping Guan Jacutinga Penelope pipile granji

GRUIFORMES
Limpkin Carão Aramus guarauna
Gray-necked wood-rail Saracura Aramides cajanea
Common gallinule Frango d’água Gallinula chloropus
Red-legged Seriema Seriema Cariama cristata

CHARADRIFORMES
Wattled Jacana Jaçanã / Cafezinho Jacana jacana
Southern Lapwing Quero-quero Vanellus chilensis
South American Stilt Pernilongo Himantopus himantopus
Yellow-billed tern Trinta-réis Sterna superciliaris**
Large-billed tern Gaivota Comum Sterna simplex**
Black skimmer Talhamar / Taiamã Rynchops nigra**

COLUMBIFORMES
Picazuró pigeon Pomba trocaz/ Trocal / Asa branca Colomba picazuro
Pale-vented pigeon Pomba-verdadeira Columba cayanensis
White-tipped dove Juriti Leptotila verreauxi
Eared dove Pomba-do-bando Zenaida auriculata
Blue ground-dove Rola azul / Rolinha Claravis pretiosa
Picui ground-dove Rolinha mirim Columba picui
Ruddy ground-dove Rolinha-caldo-de-feijão Columbina talpacoti
Scaled-dove Fogo-apagou Scardafella squamata

PSITACIDAE
Red-and-green macaw Arara vermelha Ara chloroptera
Blue-and-yellow macaw Arara canindé Ara ararauna
Hyacinth macaw Arara Azul Anodorhynchus yacinthinus ***
Peach-fronted parakeet Jandaia estrela Aratinga aurea
Black-hooded parakeet Jandaia-de-cabeça-preta Nandayus nenday
Torquoise-fronted parrot Papagaio verdadeiro Amazona estiva
Monk parakeet Periquito-de-peito-cinzento Myopsitta monachus
Canary-winged parakeet Periquito-do-campo Brotogeris versicolaris

CUCULIFORMES
Smooth-billed ani Anu-preto Crotophaga ani
Guira cuckoo Anu-branco Guira guira
Pheasant cuckoo Saci Dromococcyx phasianelus
Dark-billed cuckoo Papa-lagarta Coccyzus melacoryphus
Squirrel cuckoo Alma de gato Piyaya cayana ---

STRIGIFORMES
Barn Owl Suindara Tyto alba
Ferruginous pigmy owl Caburé Glaucidium brasilianum
Tropical screech owl Corujinha-do-mato Otus choliba
Burrowing owl Coruja do campo/ Coruja buraqueira Speotyto cunicularia

CAPRIMULGIFORMES
Caprimulgus sp --- ---
Nictydromus aubicolis --- further study necessary (?)

TROGONIFORMES--- Surucuá -de- barriga-amarela Trogon viridis
--- Surucuá-de-coleira Trogon colaris
Blue-crowned trogon --- Trogon curucui

APODIFORMES

CORACIFORMES
Ringed kingfisher Matraca / martim-pescador Ceryle torquata
Amazon kingfisher Martim-pescador-verde Chloroceryle amazona
Green kingfisher Martim-pescador-pequeno-verde Chloroceryle americana
--- Martim-pescador-pequeno-pintado Chloroceryle inda
--- Martim-pescador-miudinho Chloroceryle aenea

PICIFORMES
--- Jacamacira Galbula ruficada
Toco toucan Tucanuçu Rhamphastos toco
Chestnut-eared arasari Araçari/ Tucaninho Pteroglossus castanotis
Crimson-crested woodpecker Pica-pau-de-topete-vermelho *Campephilus melanoleucos
Cream-backed woodpecker Pica-pau-de-topete-vermelho Campephilus leucopogon
Robust woodpecker Pica-pau-de-topete-vermelho Campephilus robustus
Field flicker Pica-pau do campo Colaptes campestris
Blond-crested woodpecker Pica-pau-de-topete-loiro Celeus flavescens

PASSERIFORMES
Red-billed scythebill Arapaçu de bico-torto Campilorhamphus trochilirostris
Black-banded woodcreeper Arapaçu-grande Dendrocolaptes picumnus
Great rufous woodcreeper Arapaçu-do-campo Xiphocolaptes maior
Rufous hornero João de Barro (Amassa barro) Furnarius rufus
Brown Cacholote Casaca de Couro Pseudoseisura (?)
Greater Thornbird Carpinteiro Phacelodomus rififrons
Sooty-fronted spinetail Carpinteiro Synalaxis frontalis
Great antshrike Chocão Taraba major
Barred antshrike Choca-barrada Thamnophilus doliatus
Variable antshrike Choca-da-mata Thamnophilus caerulescens

TYRANTS
Great Kiskadee Bem-te-vi-grande Pitangus sulphuratus
--- Bem-te-viznho Pitangus lictor
Tropical Kingbird Sirirí Tyranus melancholicus
Cattle Tyrant Sirirí-cavaleiro Machertornis rixosus
Vermilion Flycatcher Príncipe/verão/S.Joãozinho Pyrocephalus rubinus
Gray monjita Viuvinha Xolmis cinerea
Fork-tailed Flycatcher Tesoura Muscivora tyranus
White-monjita Noivinha Xolmis irupera
Pied-water Tyrant Lavadeira Fluvícola pica
White-headed Marsh Tyrant Freirinha-do-brejo Fluvicola leucocephala

HIRUNDINIDS
Barn Swallow Andorinha-do-bando Hirundo rustica
Rough-winged Swallow Andorinha-asa-de-serra Stelgidopterix ruficolis
Blue-and-white-Swallow Andorinha-azul-e-branco/das casas Notiochelidon cyanoleuca
Bank Swallow Andorinha-do-barranco/parda Riparia riparia
Gray-breasted Martin Andorinha-doméstica-grande Progne chalybea
White-winged Swallow Andorinha-do-rio Tachineta albiventer

CORVIDAE
Purplish Jay Gralha do Pantanal Cyanocorax cianomelas
Plush-crested Jay Gralha Azul Cyanocorax chrysops

TROGLODITAE
House Wren Corruíra / cambaxira Trogloditas aedon
--- Garrinchão-de-barriga-vermelha Thoryothorus sp
--- Garrinchão Campylorhynchus turdinus
--- --- Thryothorus leucotis
--- --- Thryothorus genibardis
--- --- Thryothorus guarayanus

MIMIDAE
Chalk-browed mockingbird Sabiá do Campo Mimus saturninus
White-banded mockingbird Sabiá-de-cinta-branca Mimus triurus
Ruffous-bellied Thrush - Sabiá-laranjeira ---

ICTERÍDEOS
Trupial João-pinto/corrupião Icterus icterus**
Epaulet --- Icterus cayanensis
Shiny cowbird Chopim Molothrus bonaerensis
Choppi blackbird Graúna Gnorimopsar chopi
Solitary cacique Iraúna Cacicus solitarius
Bay-winge-cowbird Asa-de-telha Molothrus badius
Yellow-rumped cacique Japi/xexéu Cacicus cela

TRAUPÍDEOS
Sayaca tanager Sanhaço-cinzento Thraupis sayaca
--- Sanhaço do coqueiro Thraupis palmarum
White-lined tanager Tiê-preto Tachyphonus rufus
Red-crowned-ant-tanager Tiê-do-Mato Grosso Rabia rupica
--- Tiê-galo Tachyphonus cristatus
Brazilian tanager Pipira vermelha/Bico-de-prata Remphocephalus carbo
Safrom finch Canário-da-terra Sicalis flaveola
Red-crested cardinal Galinho-da-campina Paroaria coronata
Yellow-billed cardinal Galinho da campina/Cardeal Paroaria capitata

EMBEREZÍDEOS
Pumbleous-seedeater Patativa Sporophila plumbea
Rusty-collared-seedeater Papa-capim (several) Sporophila collaris
Lined seedeater Bigodinho Sporophila lineola
Double-collared-seedeater Coleiro Virado Sporophila coerolescens
Graysh saltador Trinca-ferro Saltador coerulescens
Red-crested finch --- Coryphospingus cuculatus
Blue-black grassquit Serra-serra/
.... Tiziu Volatina jacarina

Books checked for names accuracy:
- (Aves de Argentina y Uruguay) Birds of Argentina & Uruguay
- Pássaros do Brasil, Eurico Santos, BH/MG/Brasil
- Conheça o Pantanal, Prof. Nidia Magalhaes, SP/Brasil
- Birds of Venezuela, Schauensee / USA
Nota:
** Os 2 asteriscos ao lado das espécies indicam que espécies se identificam mais com o Pantanal embora sejam vistos na planície borda do Pantanal ao redor da Serra da Bodoquena.
** Los 2 asteriscos al lado de las especies indican que especies se identifican más con Pantanal, pero son avistados en las planicies fronterizas al Pantanal al rededor de la Sierra de Bodoquena.
**The 2 asterisks indicate that birds are more related to the Pantanal floodplain even though they can be seen over the Serra da Bodoquena following the influence of the Pantanal.

***A arara azul é muito pantaneira embora chegue muito próximo à Serra da Bodoquena no que corresponde ao município de Miranda.
*** El guacamayo azul (Anodorhynchus yacinthinus) es de Pantanal pero puede llegar muy próximo a la Sierra de Bodoquena en la parte que corresponde al municipio de Miranda.
*** The hyacinth macaw is very “pantaneira” never seen over the Serra da Bodoquena even though they come very close. Hyacinth macaw do come to Miranda.
By Jackson Lima

domingo, 24 de maio de 2009

Mar de Xaraés: sempre desejei enteder isso


Foto de A.Zanella: à cavalo, atravessando o Mar de Xaraés ou o Jerez Ñú


Nota especial:
Escrita no dia 12 Maio de 2009




È normal lê-se sobre o Pantanal que os espanhóis chamavam a região de Mar de Xaraés. Sempre fiquei encucado com isso. Como mar? Por que e o que é Xaraés? Essas respostas só vieram este ano (2009) e já graças a existência desta maravilhosa ferramenta chamada blogs e da rede de blogs que se chama blogosfera.

Pesquisando encontrei um blog de Concepción, Paraguai, cidade que está nas margens do rio Paraguai. Na parte histórica do blog descobri que Xaraés é igual a “Jerez” que é o nome de uma cidade na Espanha que é uma espécie de irmã cultural de Foz do Iguaçu. A cidade se chama Jeréz de la Frontera. Por incrível que pareça, a primeira cidade fundada no Pantanal se chamou Santiago de Jerez. Isso foi lá em 1593. Portanto, creio, que quando os espanhóis falavam de Mar de Jerez se referiam a essa cidade. Só não sei como Jerez passou a ser chamado Xaraés.

E mar?

Quanto a palavra “Mar”, o blog mostra registros históricos dessa palavra como sendo “Ñú” que se pronuncia em português como Nhú. E o que é Nhú?

Éuma espécie de banhado. Ou seja Nhú é muito similar à idéia de “Pantanal” mas não como um pântano. Nhú é um campo extenso coberto por água de vez em quando. Vou
escrever mais sobre isso. O termo guarani Jeréz Ñú parece ter sido utilizado pelos espanhois no Paraguai. Na falta de uma equivalente em castelhano, entrou a palavra “mar” que chegou até nós como Mar de Xaraés. No Paraguai a palavra Ñú ocupa bom espaço nos mapas geográfico, Como Ñú Guazu, Ceballos Ñu e outros.

Continua ...

De bicicleta à Morraria do Sul II

A estradinha começou a subir. Engato marcha mais leve e a bicicleta responde bem. Começo a subir. A estradinha parece uma fileira de cabelo em cabeça de punk. Aqui começam as aflorações rochosas que meu amigo geógrafo falou. A vegetação na montanha é Mata Atlântica. Me emociono! Cada centímetro do Planeta me é interessante, cativante. Paro a bicicleta para respirar e a beleza e dar graças a Natureza pelo privilégio de estar aqui. Entro um pouco na vegetação. Que cheiro gostoso! Há muitos pássaros. Um casal de araras vermelhas voam a uns 100 metros de altura. Vão cruzando ao longo do vale. Pelo binóculos as observo. Enquanto voam não param de gritar. Se elas são iguais aos casais humanos devem estar brigando.

“Reduza a velocidade. Longo em trecho em declive”, dizia uma placa de trânsito. Placa de trânsito, aqui? É, aqui, mesmo.


Ponha declive nisso e acrescente cascalho, a Cassola com freio mais ou menos o resultado é igual a suicídio. Paro. Desço da Cassola e continuo a pé, os dois. Antes de chegar no fim do declive uma capelinha construída na rocha e várias cruzes registram, o local de um acidente. Descubro que foi feio. Uma Brasília verde-abacate passa por mim jogando poeira e pedra. Posso ser maldoso, mas aquela Brasília não tem cara de ter freio não.

A visão que se descortina daqui é uma surpresa. Um vale! À frente e à esquerda, está a entrada para uma fazenda bem cuidada. Montserrat, é o nome.

- É o nome da montanha onde parou a Arca de Noé, me informou um senhor que passou por aqui e com quem conversei rapidamente.

- Que arca? Aqui tem arca?
- A Arca de Noé, me disse para refrescar a minha memória. Se a missão de espalhar a Bíblia por todo o mundo é sinal do fim dele, então o fim já deve estar chegando. Não fiz nada para corrigir o erro do rapaz. Pra que dizer a ele que a Montanha onde Noé estacionou a Arca se chama Ararat? Deixa assim, Montserrat é mais latino.

No vale a estrada é reta e sem dificuldades. Por que não? Decido ir em frente [até Morraria]. O Vale é na realidade território do rio Salobra. O rio que coleta toda a água que deve cair das inúmeras nascentes dessa parte da Serra. Que o Salobra é o manda-chuva aqui pode ser deduzido pela quantidade de pontes de madeira que atravessam espaços hoje secos. Devem ser locais para o escoamento da água das várzeas do Salobra. Finalmente aparece o Salobra de verdade. Deve estar 13 quilômetros estrada adentro. Na beira do rio, há um monte de pescadores. O rio é azulado e profundo. Queria que os caiaques estivessem aqui. Seria lindo explorar o rio de caiaque. Que rio, o Salobra! Mais pra cima ele é azul piscina e transparente. Aqui é azulado mais sujo – quer dizer hoje. Lá pra baixo antes de desembocar no rio Miranda ele é igual ao rio Negro. É negro com visibilidade boa.

Misterioso esse Salobra. Em algumas épocas aqui se vê os pássaros do Pantanal como o Cabeça-seca, maguari, biguá. Ás vezes até tuiuiú. Isso é uma fronteira natural. Eu adoro fronteiras.

Uma boiada com pelo menos 500 cabeças, vem em minha direção. E agora? Que é que eu faço? Penso em voltar pedalando desesperadamente na frente do gado. Seria uma palhaçada. E se os animais se decidissem me acompanhar pensando, talvez, que eu fosse um vaqueiro ciclístico? Pensei melhor pulei a cerca e me escondi. Quer dizer nos escondemos. a Cassola e eu. Tomei providências para deixar-me ser visto pelos membros da comitiva – se não, eu poderia levar um tiro. Eu tinha muito medo de vaca. De touro, pior ainda.

A estrada reta e plana continuava como se não tivesse a intenção de ter fim. Já é tarde ou pelo menos parece. O céu está nublado. Quanto mais se chega perto do outro lado da cabeceira do vale, mais nublado fica.

Que horas são? É só curiosidade, para que saber de horas em uma aventura natural? O vale começa a estreitar-se. É lindo. A região de influência do Salobra começa a ficar para trás. Dos dois lados há montanhas cobertas de vegetação. Na rocha, nos espaços onde a vegetação não consegue se firmar, se vê buracos de vários formatos. Devem ser grutas. O pensamento me emociona.... Penso em fazer um curso de rapel para explorar essas escarpas. O mistério da montanha aumenta.


Como será a morraria? – me pergunto. Os flashes que me vêm à cabeça são imagens do Tibete, Katmandú. Parece que as nuvens negras estão sentadas ou apoiadas no topo das montanhas. Um riozinho desce o vale que agora fica mais estreito. Deve ser o rio do Engano. Ele ganhou esse nome porque ele engana. Apresenta-se sempre como pequeno e comportado. Mas quando o tempo desaba lá em cima, o rio transborda rápido e pega de surpresa a quem quer que tenha decidido acampar ao lado de suas calmas margens.

A estrada começa a subir. Cada vez mais eu e a bicicleta intercambiávamos funções. Eu levo, ela me leva. A subida fica mais séria. Há um desvio para à direita que leva à sede da Fazenda Pedra Branca. Penso rápido e entro nesse desvio. Os primeiros mil metros é banguela livre. Agora é só subida. Parece não ter fim essa subida. A estrada é estreita e parece não ter tanto movimento. Nos dois lados dela há cercas. No lado direito, vejo um rebanho de gado muito grande. Quantos são? Não sei. São jovens, parecem bezerros recém desmamados. Eles são curiosos. Todos param de comer e estão me olhando. Afinal tudo aqui é curioso. Passei por eles. Deve haver um milhão de olhinhos redondos, pretos, me olhando. Sinto a energia que emana dos animais – sinto o calor da energia bovina.

Eles começam a corre no meu lado. O barulho dos cascos golpeando o chão, o chafurdar da vegetação seca junto com o barulho de milhões de grilos e outros insetos decolando é inesquecível. Temo que haja um buraco na cerca e que de repente eles invadam a estrada e me imprensem, me matem pisoteado. Como mantenho os olhos grudados na lateral, na cerca, não vejo uma subida difícil à frente. Por isso, não consigo engatar uma marcha mais leve. A bicicleta morre no meio da ladeira e começa a descer de ré e em câmara lenta. Para o meu terror vejo que todos os animais estão parando ao meu lado enquanto eu luto para tomar pé. É como se eu estivesse me afogando no seco. Não consegui e a queda foi inevitável. Aterrissei suavemente no traseiro e em esforcei para não rolar ladeira abaixo pela Cassola no final do tombo. Fiquei muito nervoso e me preparava para fazer um discurso mental sobre a estupidez da pecuária, sobre o fato do planeta estar se transformando em um ‘planeta do gado’ em vias de ver a decretação da existência de uma explosão “vacográfica” em lugares como o Pantanal, a Savana Venezuelana outras tantas. Pensei na estupidez da criação de gado na modalidade conhecida como “extensiva” que necessita d tanta terra para uma vaca e nos baixos preços do produto. Aí aconteceu.

Encaro a multidão bovina na minha frente e me preparo para comunicar-lhe que eu as acho estúpidas e que os hindus são mais estúpidos ainda por não fazerem churrascos de vaca quando peã primeira vez na vida, descobri, ali, com são bonitinhos esses bezerros, esses garrotes, as vacas da variedade Nelore, brancas com aqueles olhinhos negros, brilhantes, curiosos e carinhosos. Não consegui segurar a gargalhada que aquela situação me provocou. Decidi conversar com meus novos amigos. Eu disse: vocês devem estar sorrindo, hein! Falem a verdade, estão se divertindo. Foi tão bom o meu encontro com meus irmãos contemporâneos bovinos que comecei a gostar de boi, vaca, bezerro e boiada no Pantanal. Creio ter ficado no chão por mais de 10 minutos, curtindo o momento, olhando os bezerros, conversando com eles, meu olho nos ‘zoinhos’ pretinhos deles.

Cheguei na sede da Fazenda Pedra Branca já entrada a noite, para meu desespero. Eu só pensava em pouso, comida, café, suco. Aparecer como se tivesse caído do céu em uma fazenda no meio da Serra da Bodoquena não é uma boa idéia. Você pode ser tudo: ladrão, criminoso, tarado, sequestrador; pode ser extraterrestre, espírito ruim, alma penada, tudo. Por isso eu já sabia que não iria ficar hospedado na ou seria atendido na fazenda. Dito e feito. Depois de conversar um pouco com os moradores e me reabastecer de água, parti para a estrada, fazendo todo caminho de volta, até encontrar a estrada para a Morraria. Tudo o que eu pensava era encontrar gente de bem, achar uma ao comida, uma cerveja de qualquer marca e uma cama. O arrependimento e a auto-recriminação de ter entrado nessa situação eram inevitáveis.

- Nunca mais sairei assim sem comida, barraca, liquido, me dizia. O que eu estou fazendo, logo eu que tenho um bom emprego me esperando no Paraná?

Agora já é noite de verdade. Milagrosamente as pesadas nuvens que taparam o sol durante toda a tarde, sumiram. No lugar das nuvens aparece uma bela lua cheia que ilumina o meu caminho. Sempre rezei que alguém iluminasse o meu caminho, mas nunca esperei que fosse desse jeito. Porém, nem tudo é perfeito. Acho que 99% das nuvens foram embora. O 1% que restou decidiu se entrepor entre mim e a lua exatamente na curva mais perigosa de descida. Na penumbra, vejo um vulto gigantesco no chão. Uma vaca! Freio desesperadamente e capoto. Vôo alguns metros e aterrisso de queixo no chão. A clássica aterrissagem malamanhada. Eu já vi pássaro pousar assim. Não sou p primeiro. Tive a impressão de sentir um estalo no pescoço – tak! Fiquei quieto.

Desencarnei, pensei. Morri na Serra da Bodoquena. Olho de lado. Primeiro à esquerda e logo à direita para se ver se vejo algum irmão para me receber.

- Bem-vindo irmão, acabaram seu dias de sufoco!
Nada! Ninguém. Decido, então, bater no chão. Pensei que se eu sentisse a pancada, eu ainda estaria no corpo. Estaria vivo! Assim fiz. Bati no chão segundo minha sábia decisão e senti a pancada. Daí, se eu não conseguisse mexer a cabeça teria quebrado o pescoço. Estaria paralítico na Serra da Bodoquena. Por milagre me levantei e decido descer a serra empurrando Cassola que milagrosamente não havia sofrido nada. Aprendi que não dava para confiar em ninguém. Nem na lua. Encontrei a bicicleta. Ela estava exatamente onde eu jurei ter visto uma vaca. Ela evaporou, se é que houve uma vaca ali. Terrorismo bovino!

Já passavam das onze horas da noite quando, de longe, avistei as luzes da Morraria do Sul. Veio a pressa de chegar. A subida continuava. Era difícil ver a estrada porque o brilho das luzes da iluminação pública, lá ao longe, encadeavam os meus olhos. É a poluição luminosa – um fenômeno que ainda não chama a atenção no Brasil. Tanto prova isso, que o adjetivo “luminoso” não é do entendimento comum. Talvez por isso conceito não seja claro como em poluição sonora, poluição visual e até poluição mental.

Meu último desastre por pouco não aconteceu na entrada do Distrito da Morraria do Sul. Há uma curva acentuada à direita para entrar no povoado. Há também duas pontes. Uma nova e usada atualmente e outra abandonada – só o esqueleto. A curva leva à segunda. E foi exatamente a que escolhi. Sorte que a vi a tempo. Um buraco imenso onde lá o fundo passa um rio seco, me esperava. Ufa!

Entrei no distrito da Morraria dependência administrativa de Bodoquena. Tudo estava fechado. O único lugar abeto era um barzinho. Havia quatro clientes lá. Apareci como se tivesse caído do céu. A turma se assustou com a minha aparição. Mostrei a bicicleta para provar que meu meio de transporte era legal. Queria evitar que eles pensassem em aparição extraterrestre ou coisa parecida. Pedi uma cerveja. Comida não tinha. Só amanhã. Continuo tentado quebrar o gelo.

Por sorte chega um táxi. Ele trazia o vereador do que representava o distrito em Bodoquena e que acabava de fazer uma caridade em benefício de uma eleitora. O vereador aproveitou para tomar uma gelada no barzinho. Empolgado com o surgimento de mais um visitante, reconheci o taxista. Aproveitei e anunciei: esse taxista me viu chegar em Bodoquena hoje à tarde. O taxista olha na minha direção e escuto:

Ué, não é que ele veio mesmo de bicicleta! Se admirou. Era o Negão lá de Bodoquena. Minha situação ficou confortável. Estava confirmada minha origem terrestre e aparentemente inofensiva. Conversamos todos até a partida do táxi do Negão e seu passageiro.

Continua

quarta-feira, 20 de maio de 2009

O OrnitoMira 1996 não saiu! Tou querendo fazê-lo! Você é Convidado


Vamos reativar a idéia. Clicando na foto dá para ler o material!


Eu avisei que neste blog tudo é meio museu. Gostou do recorte de jornal acima? Em 1996, me animei e tive a idéia de fazer esse I Encontro de Observadores de Pássaros de Miranda - Pantanal (1°OrnitoMira). Não saiu! Por quê? Não me lembro. Eu creio que nasce acontece antes da hora. Hoje, 13 anos depois ainda quero fazer o I° OrnitoMira. O nome vem de 'Ornito' (Pássaro) e 'Mira' (Miranda e Mirar, espanhol). Era um evento para 'ornitomirar' ou 'mirar pájaros'. Miranda também dá ideia de mirante, lugar de onde se olha ou se observa coisas. Assim estou, de novo, lançando a idéia e estou buscando quem queira participar.

O espírito da coisa é o estilo 'observação amadora'. Não é exatamente para ornitólogo, no sentido estrito da palavra. É para amantes de pássaros, amantes do mato, amantes da vida. Haverá oportunidade de lazer, relaxamento e se desejar momentos ecoterapêuticos. Vamos desenvolver a idéia! Os interessados já ppoden enviar e-mail para mim (limajac@gmail.com).

O recorte acima é de um caderno da Folha de Londrina chamado "Ponte da Amizade" para Foz do Iguaçu e região. O caderno foi descontinuado porque o jornal foi vendido. Assinou a matéria o jornalista Montezuma Cruz hoje da Agência Amazônica de Notícias.

terça-feira, 12 de maio de 2009

De bicicleta à Morraria do Sul

A Morraria do Sul é um lugar que existe realmente. Mas, em Miranda eu tinha impressão de que estava ouvindo falar de um lugar mitológico. Eu escutava falar dele, mas ninguém tinha ido lá.

É lindo na Morraria. Tem muita pedra lá   alertava o Barba.
–  Assim que trocar de carro, nós vamos lá  prometia o proprietário do hotel...

–  Meu amigo tem uma fazenda lá, o clima é como na Suíça  dizia o dono do Hotel Pantanal. E eu pensava: de que esses caras estão falando? O Hotel Pantanal sempre foi minha espécie de base. Minha relação com ele foi interessante. Me hospedei nele por um tempo em troca de serviços. Fiz divulgação dele. Atendi grupos. Organizei festas. Um dia encontrei lá um geógrafo da UFMS. Começávamos a conversar e eu aproveitei para obter dicas sobre trabalhos realizados sobre a Serra, mapas, publicações onde eu pudesse obter dados sobre o relevo do Estado (MS), do Pantanal, da região entre Miranda e Aquidauana, Bodoquena, Jardim e Bonito. O geógrafo me incentivou. Fiquei abismado! Não é fácil encontrar profissionais de alto nível acadêmico que se disponha a conversar e passar dicas para um simples guia de turismo sonhador. A distância entre academia e gente comum é muito grande e as relações me parecem perfeitamente “brochas”. Mas não ele. Ele me disse: “se eu fosse você, eu iria de bicicleta ou a pé. Não é lugar para chegar com ônibus de turistas”, alertou.


Partindo de quem partiu o conselho, não me levou muito tempo para fazer meus precipitados preparativos para a viagem. Eu não diria nada aos colegas que me prometiam levar para dar uma volta na região. Eles poderiam me segurar por muito tempo e eu não estava disposto a pegar aquele síndrome (já mencionado). Por azar, um desses colegas anunciou que tinha de submeter-se a uma cirurgia séria em Campo Grande. Depois de assegurar-me que tudo estava bem, dediquei-lhe mentalmente a viagem.

Na hora em que o colega dava entrada no hospital, eu embarcava em um ônibus amarelo escuro e branco do Expresso Mato Grosso. Destino: Bodoquena, a cidade, 54 quilômetros estrada abaixo e acima. Minha bagagem: uma bicicleta Cassola. Quadro feminino, cor vermelha, que eu havia ganho no meu aniversário anterior. A bicicleta tinha 18 marchas mas não me perguntem a marca do câmbio.

A estrada Miranda-Bodoquena já era minha conhecida. Ela atravessa uma área de cerrado. Nos pontos mais altos da MS 339 se pode ver a imensa vastidão da planície. Eu adoro ver as coisas do alto. Não se isso se deve ao fato de eu ser páraquedista e parapentista* ou por ter sido urubu em alguma outra vida. A estrada asfaltada acompanha a direção do Rio Miranda até a entrada do Campo de Instrução Betione do Exército Brasileiro. Daí, a estrada segue o rio Betione que vem da Serra da Bodoquena e vai para a cidade do mesmo nome.


A Serra da Bodoquena se avoluma num crescente natural à frente, à direita e à esquerda. Não demora e o ônibus entra na pacata cidade onde, aparentemente, não acontece nada. Bodoquena já foi parte de Miranda e há 13 anos ganhou autonomia. O antigo nome de Bodoquena era Campão – o que ainda e usado por muita gente na região. O ônibus pára na agência. Eu desço. O bagageiro se abre. A Cassola é gentilmente descarregada. Coloco a caramanhola – aquela garrafinha plástica para água – e volto meia quadra em direção à rua principal.

Há um taxista na esquina. Pergunto-lhe: qual é a direção da Morraria? Creio que deve haver mais um ou dois taxistas. O nome dele é Negão.
–  O quê? Você que ir pra lá de bicicleta?
–  Por quê?
–  Não chega não. Pelo menos hoje não.
–  Nada sério. Eu só quero saber o caminho, Vou até o trevo e volto. Talvez amanhã eu vá até lá mas vou de táxi. Com você, por que não, né?

Quando sai de perto do Negão, até eu acreditava que ia só até o trevo onde uma placa indica o caminho de chão. Parei em um bar. Tomei um refrigerante. Abasteci a caramanhola. Comprei uns chocolates do tipo Sonho de Valsa ou Valsa de Sonho.

A mão começou a coçar e eu obedeci, peguei a estrada. Que liberdade! Até o trevo há um longo trecho em declive. Descendo o trevo na banguela comecei a esquecer a estória de ir até o trevo. A visão daquelas montanhas não era exatamente minha idéia de Mato Grosso. Há algo de mistério. Sei que não é mas tudo me parece ser pré-andino. Os circuitos de meu cérebro não conseguiam enviar-me os reflexos necessários para que eu identificasse onde estava, minha posição. Brasil? Cochabamba? Boyacá? O ar é mais fresco, o verde é intenso e à esquerda na estrada, no precipício, vejo uns caraguatás gigantes, imenso.

O trevo!
Volto?
Prossigo?

- Vou só até aquela subida, daí eu volto porque não tô levando comida e água não é suficiente....

Pego a estrada de chão. Aqui o cascalho é natural. Terra de pedra. Logo na entrada da estrada há alguns colonos. Os colonos aqui são gaúchos.

À direita há um pequeno balneário com trampolim e tudo. A água é transparente e esverdeada.

- Lá pra frete deve ser mais transparente, pensei. Decido ir um pouco mais.

À esquerda há outro rio transparente também. Ele serve de lava-jato rápido. Um grupo de homens lava um caminhão no riozinho. As rodas traseiras do monstrengo estão dentro do rio. Abaixo do caminhão o rio esverdeado se torna ligeiramente mais escuro e mais oleoso. Será diesel ou graxa?

–  Filhos da puta!

Meu primeiro grito de irritação. Não existe um destino melhor pra um rio do que ser lava-caminhão? As vacas da redondeza parecem ser boas de leite, elas têm úberes grandes. Lá na frente tem uma vaca holandesa, creio.


_______

* Notas: já não sou páraquedista. Creio que tenho um pouco de
Labirintite. Já não sou parapentista. Embora ainda queira uma asa-escola para brincar. Nem “caiaco” mais. Todas as minhas bicicletas foram roubadas. Me atacou aquela síndrome?

sábado, 9 de maio de 2009

Caiaque no Pantanal: algumas fotos da região do São Pedro

Por Jackson Lima

Tres momentos da viagem solitária de caiaque, o instrumemnto apropriado para a exploração da natureza. Nada de Indiana Jones. É mais no estilo meditação. Sei da existência de um livro na França que passa dicas de yoga para caiaquistas. Há algo de mísitico nisso. Sempre fui disso. Hoje, continuo propondo viagens que seja o encontro do eco+espiritual+prazer+conhecimento que leva à descoberta de SI. Passar tranquilo pelos jacarés, pelos grandes e pequenos pássaros, lontras, capivaras, cobras, peixes, Isso é bonito. Em uma tardezinho, parei num barranco, para descansar e fumar (infelizmente na época, eu fumava, hoje parei). Levei um susto porque no meu lado, entre o barranco e eu, diretamente abaixo, havia um peixe dormindo. Não sei que peixe era. Tinha uns 40 ou 50 centímetros. É um privilégio! Peixe dormindo?
Quando me cansei de olhar, fiz um movimento para puxar-me para a terra e ele se assustou. Aí vi a violência da arrancada dele para fugir. Só de caiaque se pode fazer isso. Nem canoa consegue dar esta oportunidade. Na canoa a gente está muito alto da água. Já é uma "armação" estranha para o animal.

Quando me cansei de olhar, fiz um movimento para puxar-me para a terra e ele se assustou. Aí vi a violência da arrancada dele para fugir. Só de caiaque se pode fazer isso. Nem canoa consegue dar esta oportunidade. Na canoa a gente está muito alto da água. Já é uma "armação" estranha para o animal.

Canaã: o paraíso recuperado de Bodoquena


O rio Salobrinha - visto aqui em foto de Adnésdio Zanella - escavou esse cânion laboriosamente em sua viagem para o longinquo rio Paraguai. Ele nunca vai chegar lá. Antes disso, ele vai desembocar no rio Salobra, que vai para o rio Miranda, que bem mais adiante receberá o rio Aquidauana e aí, sim, todos chegarão, encarnados no Miranda, ao rio Paraguai. Nunca mais voltei a esta região maravilhosa e essa é uma das tristezas que levo na vida. Depois de tempo, já de volta à Foz do Iguaçu, escutei que foi criado um Parque Nacional na região. É possível que esta maravilha, ou seja, é impossível que esta maravilha não esteja dentro do Parque Nacional da Bodoquena.
Tenho a alegria de dizer que eu cheguei aí, pelo olfato, seguindo meu nariz. A região se chamava Canaã e era parte de um projeto de colonização. O Governo promoveu a colonização do Vale do Salobrinha com pessoas que foram removidas da Morraria do Sul devido à Reserva Cadivéu lá embaixo no Campo dos Índios. Quando eu cheguei ao Vale do Salobrinha, havia um bom número de moradores. Casinhas simples, sem eletricidade. Buscavam um equilíbrio entre a beira do barranco e as montanhas. Fiquei preocupado pelo desmatamento nos morros e os perigos de deslizamentos e que houveram. Pedras rolavam dos morros. Muitas eram vistas pela estradinha trafegável somente para caminhonetes C-10 desde que se tivesse a coragem de abrir e fechar muitas porteiras. Eu mesmo queria um pedacinho de terra lá. Eu poderia ter me enfiado ali pelo resto de minha vida.
O paredão rico em cachoeiras é também rico em cavernas. Quase morri em uma delas. E tudo por causa da Valquíria, uma menina que na época tinha uns oito ou nove anos. Quando eu ia para o Canaã, eu ficava na casa da família dela. Uma mãe viúva, com três filhos. Um rapaz adulto. Uma moça também adulta e a Valquíria. O pai morreu afogado no rio durante uma enchente-avalanche. São violentas as enchebtes daquele riozinho azul-piscina. Quando ele transborda, o azul dá lugar a uma água barrenta e as pequenas corredeiras por onde se vê dourados, piraputangas e outros peixes, viram águas violentas demais até para canoístas de águas bravas. Foi numa dessa enchentes que o pai, o chefe daquela família que me abrigava, morreu.

A Valquíria era minha guia. Ela parecia flutuar por cima das cachoeiras. Corria sobre pedras que cortavam meus pés. Saltava de cachoeiras, que me deixavam tonto e brincava de esconde-esconde em lugar onde eu morria de medo. Foi assim que ela me disse, gritando:

- Tio! Venha ver essa gruta! Entra tio. Vem!
Entrei na gruta. Eu tinha uma lanterna que pertencia a um amigo meu de Foz do Iguaçu, o Euclides que eu levei para conhecer. A família nos deu abrigo a todos. Eu fui passear com a Valquíria.

Na gruta, tudo estava escuro. A Valquíria me disse:

- Me dê a lanterna, tio!

Eu dei. Ela pegou a lanterna, apagou e cantou uma daqelas musiquinhas que as crianças sabem. Enganei o bobo, tra-lá,lá-la!!! Me vi no escuro mais escuro que pode existir. A gruta era arenosa. Por isso deve se chamar arenito. Era apertada e eu tenho tendência a ser claustrofóbico. Tentei ter calma para refazer o caminho. Não queria dar corda para a Valquíria. Eu também a chamava de "Porrinha". Era normal eu gritar "peraí porrinha", quando ela aprontava. E ela continuava a me amedrontar.

De repente, me vejo em uma espécie de tubo. Escorreguei e caí nesse tubo. Era mais um tobogã inclinado. Escorreguei. Estava de barriga no chão e indo pra baixo. Tentava segurar o corpo usando os cotovelos como freio. Logo parei. Não foi muito longa a queda. A porrinha sentiu que alguma coisa tinha acontecido.

- Tio! Tio!

Ela tentou chegar mais perto. Vi a luz da lanterna. Senti que vinha mais areia.

- Não venha, Valquíria! Vai ser pior. Vai chamar o outro tio e diz que ele traga cordas.

Esperei. Esperei, Esperei. Ainda bem que eu sempre tive uma calma zen na hora do pega. Fiquei quieto. Logo, o Euclides chegou. Me chamou.

- Passe a corda. O buraco não é fundo. Estou perto!

O Euclides, começou a soltar corda. Peguei e fui puxado para fora. Foi bom ver a Valquíria de novo. Ver o Euclides. Lá na casa, todo mundo esperando. Deu tudo certo. Naquele dia, acabou minha carreira de candidato a espeleologia. Voltamos à cachoeira com a irmã da Valquíria, ela, o Euclides e não me lembro se a Renate veio. Logo voltamos para Miranda. De lá eles prosseguiram para Foz do Iguaçu. Estar no Salobrinha, no Canaã, foi uma coisa mágica e poderosa. E Valquíria? E as famílias que moravam alí? Como terminou?

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Coisa de Turista apressado (1)


Foto: Família com quem morei na Estrada Parque. O senhor apoiado no motor é mencionado no texto. Ele queria capturar o joão-pinto. Adorei a famíla, as crianças. No texto menciono também o artigo do jornal mostrado aqui

Jackson Lima
Escrito em Miranda (MS)1996

Abri o jornal Correio do Estado do primeiro final de semana de junho de 1996. Lendo a matéria vi a seguinte frase: “ver no Pantanal Mato-Grossense apenas um espaço geográfico privilegiado pela Natureza seria o olhar superficial de um turista apressado”. Quem escreveu foi historiador Cezar Augusto Benevides. Era na abertura de um artigo que trataria das complexidades do Pantanal do Mato Grosso do Sul. Antes de terminar o artigo do professor Benevides, eu já tinha decidido usar a sentença do professor em algum escrito meu.

“Coisa de turista apressado” – assim ficou a frase após um processo de simplificação. Quem quiser pode achar ruim mas é verdade. Turista é apressado. E pior que o turista, nessa pressa, é a “industria” do turismo.

Ora, se turista vem com tanta pressa, por que Vem? Eu não seria mais um deles. Pior, não queria ser mais um agente de turistas apressado. Há menos de um ano, e desembarquei no Restaurante Zero Hora (em Miranda Mato Grosso do Sul), local entidade que faz as vezes de rodoviária, ponto de encntro e até Centro Social.

“Vou fazer a primeira agência de turismo ecológico do Brasil”, anunciei para mim mesmo e esperava sucesso imediato. Não veio, é claro.

Por quê?
Porque o turista é apressado. As agências com as quais tentei trabalhar me diziam: “meu cliente não tem tempo”.

E pra que vem? O Pantanal não pode ser visto em um dia para se encaixar na programação urbanóide de algum eco-urbo-turista. Pantanal é como sexo. Você não pode partir para o orgasmo de cara, sob o risco de gozar sozinho e passar por machista, porco chavinista e cafona. Claro, o orgasmo está ali no final da linha mas para chegar até lá é preciso atravessar pontes, as preliminares, as variedades, as surpresa e daí...

Nesta nova linha filosófica, [decidi] que o Pantanal está sendo estuprado pelos olhares apressados. Ou, no mínimo, o turismo está gozando sozinho. Há aqueles que ao desembarcarem no Aeroporto de Campo Grande ou de Cuiabá, sei lá eu, anunciam: quero ver uma sucuri bem grande. Outros, querem ver uma onça e outros animais. Creio que é por isso que alguns hotéis mantêm sucuris, macacos, onças e outros animais. “São para os turistas” – avisam.

O povo do Pantanal, aquele nas fazendas, boiadeiros, os peões, não conseguem ver o que os turistas fazem na vida. Um menino, em Miranda me disse, após eu perguntar-lhe o que queria ser na vida, pergunta estúpida, ele me respondeu: turista. É por isso que as pessoas fazem coisas estranhas. É pensando nos turistas. Um dia desses vi um senhor, desesperado, correndo atrás de um João-pinto. Ele queria capturar o joão-pinto. João-pinto é um pássaro de cores vivas e irreais é uma combinação de laranja fosforecente com preto. Pertence aos icterídeos. Do tipo xexéu, oropêndola e outros.

- Pra que o senhor quer pegar o João-pinto?
- É pra botar numa gaiola prus turista. Esse é um passum raro. Eles quer fotografar e eu vou cobrar dez reá ou até 20 dóla por foto. Na terra deles uma foto vale uma fortuna.

- Não é assim seu Zé. Niguém paga para tirar foto, especialmente de um pássaro preso, eu disse.

O João-pinto mais uma vez voou deixando um pantaneiro desiludido.

Outros turistas não têm o preparo intelectual para entrar Pantanal adentro. Eles fazem grandes estragos. Minha vontade comercia de trazer turistas para a região diminuiu muito após uma experiência traumática. Eu havia trazido um grupo de um estado vizinho. Qual não foi a minha surpresa quando descobri que um dos componentes do meu grupo tinha pedido a um residente local para traze-lhe um jacaré morto. A grande tesão desse “cururu” era comer um jacaré assado ou frito no Pantanal. Depois como necessidade, ele pensava levar o coro para fazer remédio para alguma doença que se cura com chá de jacaré.

Foi uma tragédia pessoal a descoberta desse ato. Foi também o primeiro passo de um grande prejuízo financeiro. “Não quero mais turistas” – foi anúncio feito por mim. Meses atrás os jornais do Estado anunciaram que o Governo incentivaria o turismo contemplativo. Na foto (ACIMA) utilizada para ilustrar, o projeto mencionado era o meu. A foto foi clicada pelo colega Ney de Souza. Aparecíamos eu e mais dois turistas “contempladores” vendo o Pantanal de caiaques.

Aqui há um pequeno problema de interpretação de turismo. Para mim todo o turismo deve ser contemplativo. Mas em diferentes partes do país o turismo tem interpretações diferentes. No Pantanal [turismo] é pesca. Em outros lugares, [como na minha cidade], turismo é muamba.

- Comé, tá dando peixe, aí?
- tá dando pacu...
- Só piauçu?
- Tá dando nada.

Esses trechos de conversação é o que mais se escuta em Miranda. Importante vendedora de isca para pescadores. Chuto que 99% do pessoal do Brasil que vem ao Pantanal é para pescar. São gente fina, alguns com bagagem intelectual. Como o senhor de educação superior que preside o departamento de doutorado de uma das melhores universidades do Brasil. Talvez na sala de aula o Senhor fale “doutores”. No Pantanal baixa o santo e o vocabulário do “home” muda. Os atos também. O membro da inteligentsia universitária chegou ao extremo de disparar seu revolver calibre 38 na direção de um jaó – um pássaro não muito farto no resto do Brasil.

“Nem todo mundo que tem dinheiro para financiar uma viagem ao pantanal deveria vir aqui” – escrevi num boletim que editei sobre a Grande Planície. A informação era bilíngüe para que servisse para os dois bandos. O nacional e o internacional.

Vi uma vez um mal preparado guia servindo de cicerone para um grupo de uns quatro suíços de fala alemã. Depois de rodar e rodar atrás de um jacaré que tivesse o tamanho que os suíços queriam a vítima apareceu. Todos pararam para encontrar a vítima. O jacaré imenso, não se mexia. Não dava sinal de vida. Desconfiados os suíços queriam saber, desta vez, se o jacaré estava vivo. Ou estaria morto? O guia-cicerone assegurou que o jacaré estava vivo e atirou a primeira pedra para que o jacaré se mexesse. O barulho nas costas do “sauro” ressoou como um tambor velho. Mais pedras choveram. Depois de muitas pedradas, o jacaré se moveu para a direita, para onde estava os delinqüentes helvéticos, percorre mais um metro e parou. Na hora, imaginei, que o jacaré observava os cinco suíços com um ar de superioridade invejável. Do alto de sua experiência de descendente de dinossauros parecia saber coisas que os cidadãos da Confederação Suíça não sabiam. O jacaré tinha paciência e em nenhum momento, demonstrou, ter pensado em partir para o pequeno grupo e ter quebrado alguns pares de pernas. Que diriam esses suíços ao retornarem ao seu país de Primeiro Mundo, àquele Clube no qual o Brasil tanto quer entrar?

Ainda na área de pessoas despreparadas que vem ao Pantanal, lembro-me de outra imagem perversa. Desta vez foi no Passo do Lontra, local que tem sua cota de gente inconsciente. Um caracará ou carcará – um falcão que reina na Planície Pantaneira decolou levando atrás uma fita branca de pelo menos um metro e meio de comprimento. Que encontro como teria aquela fita, ou plástico, enganchado nos pés dele. Como eu estava meio fixo na região, observei esse carcará voando com a fita por muito tempo.

É impressionante o número de animais que são mortos nas estradas asfaltadas que cruzam o Pantanal. Em dois anos, que estou por aqui, indo e vindo, nunca vi uma tamanduá-bandeira vivo. Todos estão colados no asfalto quente da BR 262 que liga Campo Grande a Corumbá; Além do tamanduá-bandeira há muitos outros: capivaras, sucuris,jacarés, veados, lobinhos.

Descobri que o Pantanal estava exercendo uma influencia sobre mim muito maior do que eu tinha esperado. Que teríamos uma relação intensa e que para tanto eu necessitava conhecer, estudar, pesquisar, andar. Conscientemente, eu evitei toda e qualquer identificação com a classe chamada “turista”. Eu deveria explorar e conhecer o Pantanal que o Pantaneiro conhece. Vivendo como ele quando necessário e pior do que ele na maior parte do tempo.

Em Miranda, comecei a dar idéias que poderiam ajudar na transformação da cidade em um ponto de partida para expedições ecologicamente corretas. Sugestões que pudessem atrair clientes (nunca digo turistas) conscientes do todos os países do mundo. Recebi convites para visitar pesqueiros que queriam ou querem pegar carona no “turismo eco”. É possível. Contudo, alguns, de cara, me deixaram ver que o projeto era difícil.
- “ Quero que você veja o meu camping. Lá é tudo ecológico”, me disse um proprietário. Lá fui eu pedalando a minha bicicleta. Uns 20 quilômetros para ir e outros 20 para voltar. Um passeio agradável e revelador. Explorando as lindas paisagens de Miranda. Aquelas que quem passa a cem por hora pela BR não vê. O local do camping, muito agradável. Para mostrar que o local era realmente selvagem, o capataz me mostra um couro de jaguatirica anda fresco. Um couro que até recentemente era parte de um animal.

Disse ele: “aqui tentamos ser ecológicos. Mas acontece que ela estava comendo as galinhas”.

Eu disse, depois de certo esforço: “você tem que escolher entre camping ou criação de galinha”. Preferi não dizer nada sobre a “doutrina” ecológica. Só disse: “Não tem nada pior do que você estar dormindo de madrugada numa barraca e o galo do camping, bater asas e cantar”.

Mesmo desconfiando do turismo no Pantanal, com tendência à gastrite aguda e vendo a falência rodear o terreiro para bater na porta da frente, que decidi registrar uma empresa: Ecoventuras, com sede na Avenida J.P.Pedrossian, em Mirada. A proposta é ótima. Turismo ecológico com toque de aventura. Ou aventura com preocupação ecológica. O carro-chefe da Ecoventuras continua sendo o “caiaque expedição” – minha modalidade – a melhor maneira de ver o Pantanal. É uma modalidade de turismo já recomendada pelo guia de turismo aventura no Brasil. Além do caiaque, pensei introduzir o cicloturismo – quer dizer Pantanal de Bicicleta e safáris de veículos para grupos pequenos e com capacidade de entrar e sair de problemas. Todas as modalidades devendo respeitar a natureza.

Foram no período de testes para as expedições criadas pela Ecoventuras onde aconteceram as aventuras narradas neste trabalho. Aprender foi a palavra mais usada no período e continua sendo. Aprender roteiros, descobrir estradas, fazer amizades e descobrir.

Entre as coisas que se pode confirmar é que todo ser humano tem dois lados, além do esquerdo e do direito. Todos têm um lado aventureiro. Todos têm um lado acomodado. É preciso conhecer o “acomodado” para dar valor a aventura e vice-versa. Caso não haja equilíbrio entre esses dois extremos, pode advir a síndrome do que a ECOVENTURAS chama de “brocha”.

Miranda se encontra em uma encruzilhada. Está ao lado do asfalto da BR 262 num ponto onde se pode tomar a MS 339. A primeira liga Campo Grande a Corumbá e daí com Santa Cruz de la Sierra, La Paz, Lago Titicaca, Machu Picchu e o mundo. A segunda é mais interiorana e leva à Fabrica de Cimento que fica na cidade de Bodoquena. Bodoquena está na serra do mesmo nome e é nesta serra onde fica Bonito com as atrações que todo o Brasil já conhece e que, com muita razão, não se pode deixar estragar.

Ecologicamente, Miranda está numa região de acesso à vários ecossistemas diferentes, biotas, fauna, flora, geomorfologia, hidrologia, climatologia diferentes. A cidade já está no Pantanal. Dois quilômetros do centro é Pantanal. O turista não vê isso deviudo a pressa. As agências não enxergam porque são sensacionalistas. À direita, há inúmeras estradas de terra, trilhas que possibilitam a exploração do “cerrado mirandense” – frase essa que não existe oficialmente. Há várias elevações em Miranda de onde se pode ter uma visão impressionante da área circundante em um raio de pelo 100 quilômetros ou mais. À esquerda, na direção da cidade de Bodoquena, está a Serra. E em tudo isso há um tempero extra: a história. Miranda já existia quando Campo Grande usava fraldas. Em toda a região citada há quase 500 anos de história branca e mais de mil anos de história indígena. Nos últimos 300 anos tem acontecido uma mistura das duas. Da indígena com a branca, dos poderes conflitantes dos reinos da Europa entre si, e finalmente dos conflitos do Brasil, Bolívia e Paraguai. Aí está o ambiente que vamos explorar.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Excursão da babaquice: em busca do silêncio


(Artigo de 1994 escrito enquanto eu xingava os atores do que será narrado abaixo) Foto Mycteria americana (Cabeça Seca) WikiMedia

Por Jackson Lima

Estou sentado numa cadeira confortável. A um metro e meio de mim, um filhote de cabeça-seca (um pássaro grande, desengonçado, de cor cinza, branca e preta, com um bico dominante) brinca com uma vara de pescar. O anzol está ligeiramente enganchado na parte interna do bico dele. A dez metros do cabeça-seca, uma garça-branca observa o rio Miranda, quase em sua reta final da viagem para o (rio) Paraguai. Os dois pássaros, ambos da família da cegonha – são órfãos. São criados pelo pessoal da pousada, aberta recentemente para atender os pescadores desse Brasilzão.

Nem a garça, nem o cabeça-seca pescam mais Os dois preferem (ou só sabem) ficar ao lado dos pescadores que, de vez em quando, dão-lhes um peixe de caridade. Os dois aprenderam que podem ganhar peixe e de graça. A garça até tenta. O cabeça-seca, não. Este último vive agora como “dependente’ de uma espécie de previdência social. Pode-se dizer que o filhotão – ele ainda é um filhote – está praticamente aposentado por invalidez. No pé direito dele, há um caroço grande que lembra um caramujo bem dotado e que ele tristemente carrega para onde vai. Já tentaram tirar o caroço. Já o cortaram e retiraram um líquido. Os empregados do estabelecimento dizem que o filhotão pulava do poleiro tantas vezes quantas o pusessem lá ou quantas vezes lhe desse vontade durante a noite. Por causa desse saltos – acreditam – ele ganhou o caroço, uma espécie de inchação do tendão. É o que me disseram.

É uma pássaro triste. Cochila às 11 horas do dia e quando se acorda caminha ao longo da margem do rio, as asas recolhidas. É nesses passeios que ele se mete em encrencas como aquela em que ele se fisgou com o anzol deixado na margem por um pescador que veio buscar uma cerveja no bar da pousada. A vista de um grande pássaro fisgado assustou a paulista Vitória Campesi, nativa da Vila Mariana.

– Ai meu Deus, o Pelé, engoliu um anzol! Qu’é qu’eu faço moço?
– Sei lá, respondeu o marido pescador intrometendo-se na pergunta feita a um terceiro. 

– Faz, alguma coisa amor, você é pescador – implora Vitória com um sotaque paulistano-humanista. Xingando, o marido esclarece que liberar pássaros estúpidos de iscas e anzóis não é parte do treinamento de um pescador.

Um senhor desconhecido, todo mundo é desconhecido às margens do rio de uma pousada, assegurou a Vitória que isso acontece e aumentou o desespero dela compartilhando uma experiência sua.

– Eu já vi um gato fisgado no Solimões. Contou que em um povoado do rio Solimões, um morador do beiradão tinha um gato muito ladrão. O gato meteu-se no meio das tralhas dos pescadores, seguindo o cheiro de peixe, e se fisgou.

Enquanto os visitantes intercambiavam informações, o cabeça-seca se livrou do anzol. Vivendo vidas ainda dignas mas ainda assim, artisticamente se escorando em terceiros, oito biguás, pássaros da laia do pelicano não arredavam pé ou asas da frente do hotel- pelo menos não enquanto há um pescador, pelo menos, à vista. Eles voam, mergulham, são livres mas quando é possível esperam o gesto de um nobre pescador. Um pescador capixaba, jogou uma sardinha fluvial no ar, o peixe caiu na água e afundou. O biguá mergulhou em seguida, sumiu, e voltou à tona com o peixe no bico. Os turistas aplaudiram quando em duas pescoçadas o peixe sumiu goela abaixo.

A calma volta à beira do rio. O cabeça-seca, cansado decide tirar uma soneca. A garça fez um vôo e por uns minutos parece livre, ganha altura brincando com um vento quente que sopra de baixo pra cima elevando o que encontra no caminho. O vento quente vem de Cuiabá. É bom e querido. A garça faz uma pequena manobra para se livrar de um carcará que voa em sua direção, lutando para ganhar altura, talvez na esperança de que um saco plástico duro, daqueles que protege bagagens e caixas de cerveja, se desprenda de um seus pés. No chão, os incansáveis empregados da pousada trazem, no colo, dois filhotes de capivara. Uma assistente, os segue, duas mamadeiras em mãos. A assistente solta um gritinho:

– Hora de mamar. Os filhotes já tem nome cristãos: Xuxa e Xitãozinho. Vitória, já recomposta do susto do pássaro fisgado, se oferece para amamentar os dois animalzinhos. Ela amamenta o filhote número um. A assistente alimenta o número dois. Os olhinhos deles lacrimejam ao passo que a barriga se enche de leite de vaca. Vitória diz que são lindos. Parecem crianças!

– O que aconteceu com o mãe deles? Eles ser irmãos? Perguntou Karl, alemão de Munique que estava na Pousada, há quanto tempo, não sei. O ambiente gelou. Houve um corre-corre. Vitória – a humanista não podia ouvir coisas tristes. Dez teorias apareceram em dez segundos. Vitória ficou rígida. Dura. De seus olhos castanhos, mas para o âmbar do que para o castanho, fluíram, cascatearam lágrimas ecológicas.

– Não vão dizer que a mãe deles morreu?
Um dos empregados deixou transparecer que e afirmou que o roedor existe aos milhões. Vitória apertou o filhotinho um pouco mais.

– Isso é praga! Dá como rato! As férias pantaneiras de Vitória quase foram para o beleléu. Mas um novo barco que aportava no cais flutuante, mudou as coisas.

– Turistas! Resmungou Karl.
O barco trouxe turistas para almoçar na natureza. Um dúzia de crianças desembarcaram. Junto com pais, mães. Os filhotes de capivara não tiveram tempo de arrotar. O Pelé – saiu mancando carregando seu caramujo cármico.

– Quero Coca! Sorvete! Cerveja! Tem pipoca, para os passarinhos?
A pousada ligou os geradores. O po-po-pó dos motores lembrava o capeta em pessoa fazendo pipoca cósmica para alimentar monstrengos interplanetários. A eletricidade começou a jorrar pelos fios. Se acordaram os ares-condicionados. Se despertaram os freezers. A antena via satélite assumiu seu papel de captar sinais e um televisor, no restaurante, vomitou a primeira de muitas notícias. SEQÜESTRO NO RIO, anunciou a voz culta, engraxada do locutor, apresentador.

Karl pediu uma caipirinha! Um chiado rouco fez prever que mais uma máquina estava para se levantar e dar sua contribuição à animação. Era o Sound System da Samsung. Palavras e melodias saíam pelos auto-falantes cantadas por pessoas de carne e osso de comunidades locais como Londres, Nova York e até Nápoles.

What is in your head? What is in your had? Down there! Downthere! Insistia uma cantora com voz de menina, provavelmente nativa de algum lugar da Inglaterra. Os brasileiros que vieram no barco, cercavam a um inglês interessado em Brasil: o que essa música quer dizer?

– É lixo! O que você tem na cabeça?
– Eu?
– Não, é o que diz a música!

O cabeça-seca, os biguás-joão-sem-braço, a garça sumiram.
– Porca Miséria! Que música! Reclamou um italiano nativo de Milão que não se sensibilizou com a música “italiana” que a pousada colocou no Sound System, em sua honra: O Sole Mio!
– Per me, O Sole Mio é uma musica estrangeira, africana! Io pensavo escutar musica della Natura. Ele, Giacomo era o nome, dispensou o almoço e alugou um barco de alumínio com um motor 40 para ir em busca de silêncio. As máquinas de lavar roupa entraram em ação assim que o motor dos barcos dos italianos arrancou ruidosamente em busca do silêncio.

– Aqui se lava muita roupa. Muita toalha de mesa! Disse uma lavadeira.
– Por que lavar toalha de mesa. Porque não usa toalha de plástico? – rebateu uma turistas brasileira desgostosa e meio ecologista.

– O patrão não gosta! Disse a empregada.
– Foda-se o patrão! A Natureza gosta! Retrucou a ecologista.
Depois do almoço, o grupo foi embora. Paz? Não. Chegou outro grupo para pernoitar. Estudantes de São Paulo e Campo Grande.

O barulho à noite veio com força maior. Os jovens queriam dançar. A maioria queria também ver o jogo Ájax – Grêmio no Japão. Outros queriam beber. Alguns queriam escutar a Natureza.

– O barulho das máquinas também é natureza, não é? É Vitória. Ela já tinha tomado uma caipirinha a mais.

Não muito longe dali o Pantanal real existia: calor, frio, mosquito, pássaros,animais – todos pagando um preço pela vida. Amanhã todos se vão. Para trás ficarão o cabeça-seca-da-previdencia, a garça, as capivarinhas, os funcionários. Ficarão enquanto der. Logo uns morrerão. O caramujo poderá virar um jabuti. Por último morre o hotel. O turismo vai procurar outros lugares.

E a Vitória descobriu que a mãe das capivarinhas órfãs foi ferida em um acidente e, como já estava morta, foi comida na pousada. Karl almadiçoou o seu compatriota chamado Diesel – inventor do óleo que anima todas as máquinas do Pantanal. O italiano vai propor ações que garantam que nunca mais na vida um milanês seja homenageado com O Sole Mio. O marido de Vitória, disse que ela é sensível demais e não vai pescar no Vale do Guaporé no ano que vem! E assim todo mundo volta querendo saber para onde foi o Pantanal durante aquela semana de fevereiro de 1994!