sábado, 9 de maio de 2009

Canaã: o paraíso recuperado de Bodoquena


O rio Salobrinha - visto aqui em foto de Adnésdio Zanella - escavou esse cânion laboriosamente em sua viagem para o longinquo rio Paraguai. Ele nunca vai chegar lá. Antes disso, ele vai desembocar no rio Salobra, que vai para o rio Miranda, que bem mais adiante receberá o rio Aquidauana e aí, sim, todos chegarão, encarnados no Miranda, ao rio Paraguai. Nunca mais voltei a esta região maravilhosa e essa é uma das tristezas que levo na vida. Depois de tempo, já de volta à Foz do Iguaçu, escutei que foi criado um Parque Nacional na região. É possível que esta maravilha, ou seja, é impossível que esta maravilha não esteja dentro do Parque Nacional da Bodoquena.
Tenho a alegria de dizer que eu cheguei aí, pelo olfato, seguindo meu nariz. A região se chamava Canaã e era parte de um projeto de colonização. O Governo promoveu a colonização do Vale do Salobrinha com pessoas que foram removidas da Morraria do Sul devido à Reserva Cadivéu lá embaixo no Campo dos Índios. Quando eu cheguei ao Vale do Salobrinha, havia um bom número de moradores. Casinhas simples, sem eletricidade. Buscavam um equilíbrio entre a beira do barranco e as montanhas. Fiquei preocupado pelo desmatamento nos morros e os perigos de deslizamentos e que houveram. Pedras rolavam dos morros. Muitas eram vistas pela estradinha trafegável somente para caminhonetes C-10 desde que se tivesse a coragem de abrir e fechar muitas porteiras. Eu mesmo queria um pedacinho de terra lá. Eu poderia ter me enfiado ali pelo resto de minha vida.
O paredão rico em cachoeiras é também rico em cavernas. Quase morri em uma delas. E tudo por causa da Valquíria, uma menina que na época tinha uns oito ou nove anos. Quando eu ia para o Canaã, eu ficava na casa da família dela. Uma mãe viúva, com três filhos. Um rapaz adulto. Uma moça também adulta e a Valquíria. O pai morreu afogado no rio durante uma enchente-avalanche. São violentas as enchebtes daquele riozinho azul-piscina. Quando ele transborda, o azul dá lugar a uma água barrenta e as pequenas corredeiras por onde se vê dourados, piraputangas e outros peixes, viram águas violentas demais até para canoístas de águas bravas. Foi numa dessa enchentes que o pai, o chefe daquela família que me abrigava, morreu.

A Valquíria era minha guia. Ela parecia flutuar por cima das cachoeiras. Corria sobre pedras que cortavam meus pés. Saltava de cachoeiras, que me deixavam tonto e brincava de esconde-esconde em lugar onde eu morria de medo. Foi assim que ela me disse, gritando:

- Tio! Venha ver essa gruta! Entra tio. Vem!
Entrei na gruta. Eu tinha uma lanterna que pertencia a um amigo meu de Foz do Iguaçu, o Euclides que eu levei para conhecer. A família nos deu abrigo a todos. Eu fui passear com a Valquíria.

Na gruta, tudo estava escuro. A Valquíria me disse:

- Me dê a lanterna, tio!

Eu dei. Ela pegou a lanterna, apagou e cantou uma daqelas musiquinhas que as crianças sabem. Enganei o bobo, tra-lá,lá-la!!! Me vi no escuro mais escuro que pode existir. A gruta era arenosa. Por isso deve se chamar arenito. Era apertada e eu tenho tendência a ser claustrofóbico. Tentei ter calma para refazer o caminho. Não queria dar corda para a Valquíria. Eu também a chamava de "Porrinha". Era normal eu gritar "peraí porrinha", quando ela aprontava. E ela continuava a me amedrontar.

De repente, me vejo em uma espécie de tubo. Escorreguei e caí nesse tubo. Era mais um tobogã inclinado. Escorreguei. Estava de barriga no chão e indo pra baixo. Tentava segurar o corpo usando os cotovelos como freio. Logo parei. Não foi muito longa a queda. A porrinha sentiu que alguma coisa tinha acontecido.

- Tio! Tio!

Ela tentou chegar mais perto. Vi a luz da lanterna. Senti que vinha mais areia.

- Não venha, Valquíria! Vai ser pior. Vai chamar o outro tio e diz que ele traga cordas.

Esperei. Esperei, Esperei. Ainda bem que eu sempre tive uma calma zen na hora do pega. Fiquei quieto. Logo, o Euclides chegou. Me chamou.

- Passe a corda. O buraco não é fundo. Estou perto!

O Euclides, começou a soltar corda. Peguei e fui puxado para fora. Foi bom ver a Valquíria de novo. Ver o Euclides. Lá na casa, todo mundo esperando. Deu tudo certo. Naquele dia, acabou minha carreira de candidato a espeleologia. Voltamos à cachoeira com a irmã da Valquíria, ela, o Euclides e não me lembro se a Renate veio. Logo voltamos para Miranda. De lá eles prosseguiram para Foz do Iguaçu. Estar no Salobrinha, no Canaã, foi uma coisa mágica e poderosa. E Valquíria? E as famílias que moravam alí? Como terminou?

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