quarta-feira, 6 de maio de 2009

Coisa de Turista apressado (1)


Foto: Família com quem morei na Estrada Parque. O senhor apoiado no motor é mencionado no texto. Ele queria capturar o joão-pinto. Adorei a famíla, as crianças. No texto menciono também o artigo do jornal mostrado aqui

Jackson Lima
Escrito em Miranda (MS)1996

Abri o jornal Correio do Estado do primeiro final de semana de junho de 1996. Lendo a matéria vi a seguinte frase: “ver no Pantanal Mato-Grossense apenas um espaço geográfico privilegiado pela Natureza seria o olhar superficial de um turista apressado”. Quem escreveu foi historiador Cezar Augusto Benevides. Era na abertura de um artigo que trataria das complexidades do Pantanal do Mato Grosso do Sul. Antes de terminar o artigo do professor Benevides, eu já tinha decidido usar a sentença do professor em algum escrito meu.

“Coisa de turista apressado” – assim ficou a frase após um processo de simplificação. Quem quiser pode achar ruim mas é verdade. Turista é apressado. E pior que o turista, nessa pressa, é a “industria” do turismo.

Ora, se turista vem com tanta pressa, por que Vem? Eu não seria mais um deles. Pior, não queria ser mais um agente de turistas apressado. Há menos de um ano, e desembarquei no Restaurante Zero Hora (em Miranda Mato Grosso do Sul), local entidade que faz as vezes de rodoviária, ponto de encntro e até Centro Social.

“Vou fazer a primeira agência de turismo ecológico do Brasil”, anunciei para mim mesmo e esperava sucesso imediato. Não veio, é claro.

Por quê?
Porque o turista é apressado. As agências com as quais tentei trabalhar me diziam: “meu cliente não tem tempo”.

E pra que vem? O Pantanal não pode ser visto em um dia para se encaixar na programação urbanóide de algum eco-urbo-turista. Pantanal é como sexo. Você não pode partir para o orgasmo de cara, sob o risco de gozar sozinho e passar por machista, porco chavinista e cafona. Claro, o orgasmo está ali no final da linha mas para chegar até lá é preciso atravessar pontes, as preliminares, as variedades, as surpresa e daí...

Nesta nova linha filosófica, [decidi] que o Pantanal está sendo estuprado pelos olhares apressados. Ou, no mínimo, o turismo está gozando sozinho. Há aqueles que ao desembarcarem no Aeroporto de Campo Grande ou de Cuiabá, sei lá eu, anunciam: quero ver uma sucuri bem grande. Outros, querem ver uma onça e outros animais. Creio que é por isso que alguns hotéis mantêm sucuris, macacos, onças e outros animais. “São para os turistas” – avisam.

O povo do Pantanal, aquele nas fazendas, boiadeiros, os peões, não conseguem ver o que os turistas fazem na vida. Um menino, em Miranda me disse, após eu perguntar-lhe o que queria ser na vida, pergunta estúpida, ele me respondeu: turista. É por isso que as pessoas fazem coisas estranhas. É pensando nos turistas. Um dia desses vi um senhor, desesperado, correndo atrás de um João-pinto. Ele queria capturar o joão-pinto. João-pinto é um pássaro de cores vivas e irreais é uma combinação de laranja fosforecente com preto. Pertence aos icterídeos. Do tipo xexéu, oropêndola e outros.

- Pra que o senhor quer pegar o João-pinto?
- É pra botar numa gaiola prus turista. Esse é um passum raro. Eles quer fotografar e eu vou cobrar dez reá ou até 20 dóla por foto. Na terra deles uma foto vale uma fortuna.

- Não é assim seu Zé. Niguém paga para tirar foto, especialmente de um pássaro preso, eu disse.

O João-pinto mais uma vez voou deixando um pantaneiro desiludido.

Outros turistas não têm o preparo intelectual para entrar Pantanal adentro. Eles fazem grandes estragos. Minha vontade comercia de trazer turistas para a região diminuiu muito após uma experiência traumática. Eu havia trazido um grupo de um estado vizinho. Qual não foi a minha surpresa quando descobri que um dos componentes do meu grupo tinha pedido a um residente local para traze-lhe um jacaré morto. A grande tesão desse “cururu” era comer um jacaré assado ou frito no Pantanal. Depois como necessidade, ele pensava levar o coro para fazer remédio para alguma doença que se cura com chá de jacaré.

Foi uma tragédia pessoal a descoberta desse ato. Foi também o primeiro passo de um grande prejuízo financeiro. “Não quero mais turistas” – foi anúncio feito por mim. Meses atrás os jornais do Estado anunciaram que o Governo incentivaria o turismo contemplativo. Na foto (ACIMA) utilizada para ilustrar, o projeto mencionado era o meu. A foto foi clicada pelo colega Ney de Souza. Aparecíamos eu e mais dois turistas “contempladores” vendo o Pantanal de caiaques.

Aqui há um pequeno problema de interpretação de turismo. Para mim todo o turismo deve ser contemplativo. Mas em diferentes partes do país o turismo tem interpretações diferentes. No Pantanal [turismo] é pesca. Em outros lugares, [como na minha cidade], turismo é muamba.

- Comé, tá dando peixe, aí?
- tá dando pacu...
- Só piauçu?
- Tá dando nada.

Esses trechos de conversação é o que mais se escuta em Miranda. Importante vendedora de isca para pescadores. Chuto que 99% do pessoal do Brasil que vem ao Pantanal é para pescar. São gente fina, alguns com bagagem intelectual. Como o senhor de educação superior que preside o departamento de doutorado de uma das melhores universidades do Brasil. Talvez na sala de aula o Senhor fale “doutores”. No Pantanal baixa o santo e o vocabulário do “home” muda. Os atos também. O membro da inteligentsia universitária chegou ao extremo de disparar seu revolver calibre 38 na direção de um jaó – um pássaro não muito farto no resto do Brasil.

“Nem todo mundo que tem dinheiro para financiar uma viagem ao pantanal deveria vir aqui” – escrevi num boletim que editei sobre a Grande Planície. A informação era bilíngüe para que servisse para os dois bandos. O nacional e o internacional.

Vi uma vez um mal preparado guia servindo de cicerone para um grupo de uns quatro suíços de fala alemã. Depois de rodar e rodar atrás de um jacaré que tivesse o tamanho que os suíços queriam a vítima apareceu. Todos pararam para encontrar a vítima. O jacaré imenso, não se mexia. Não dava sinal de vida. Desconfiados os suíços queriam saber, desta vez, se o jacaré estava vivo. Ou estaria morto? O guia-cicerone assegurou que o jacaré estava vivo e atirou a primeira pedra para que o jacaré se mexesse. O barulho nas costas do “sauro” ressoou como um tambor velho. Mais pedras choveram. Depois de muitas pedradas, o jacaré se moveu para a direita, para onde estava os delinqüentes helvéticos, percorre mais um metro e parou. Na hora, imaginei, que o jacaré observava os cinco suíços com um ar de superioridade invejável. Do alto de sua experiência de descendente de dinossauros parecia saber coisas que os cidadãos da Confederação Suíça não sabiam. O jacaré tinha paciência e em nenhum momento, demonstrou, ter pensado em partir para o pequeno grupo e ter quebrado alguns pares de pernas. Que diriam esses suíços ao retornarem ao seu país de Primeiro Mundo, àquele Clube no qual o Brasil tanto quer entrar?

Ainda na área de pessoas despreparadas que vem ao Pantanal, lembro-me de outra imagem perversa. Desta vez foi no Passo do Lontra, local que tem sua cota de gente inconsciente. Um caracará ou carcará – um falcão que reina na Planície Pantaneira decolou levando atrás uma fita branca de pelo menos um metro e meio de comprimento. Que encontro como teria aquela fita, ou plástico, enganchado nos pés dele. Como eu estava meio fixo na região, observei esse carcará voando com a fita por muito tempo.

É impressionante o número de animais que são mortos nas estradas asfaltadas que cruzam o Pantanal. Em dois anos, que estou por aqui, indo e vindo, nunca vi uma tamanduá-bandeira vivo. Todos estão colados no asfalto quente da BR 262 que liga Campo Grande a Corumbá; Além do tamanduá-bandeira há muitos outros: capivaras, sucuris,jacarés, veados, lobinhos.

Descobri que o Pantanal estava exercendo uma influencia sobre mim muito maior do que eu tinha esperado. Que teríamos uma relação intensa e que para tanto eu necessitava conhecer, estudar, pesquisar, andar. Conscientemente, eu evitei toda e qualquer identificação com a classe chamada “turista”. Eu deveria explorar e conhecer o Pantanal que o Pantaneiro conhece. Vivendo como ele quando necessário e pior do que ele na maior parte do tempo.

Em Miranda, comecei a dar idéias que poderiam ajudar na transformação da cidade em um ponto de partida para expedições ecologicamente corretas. Sugestões que pudessem atrair clientes (nunca digo turistas) conscientes do todos os países do mundo. Recebi convites para visitar pesqueiros que queriam ou querem pegar carona no “turismo eco”. É possível. Contudo, alguns, de cara, me deixaram ver que o projeto era difícil.
- “ Quero que você veja o meu camping. Lá é tudo ecológico”, me disse um proprietário. Lá fui eu pedalando a minha bicicleta. Uns 20 quilômetros para ir e outros 20 para voltar. Um passeio agradável e revelador. Explorando as lindas paisagens de Miranda. Aquelas que quem passa a cem por hora pela BR não vê. O local do camping, muito agradável. Para mostrar que o local era realmente selvagem, o capataz me mostra um couro de jaguatirica anda fresco. Um couro que até recentemente era parte de um animal.

Disse ele: “aqui tentamos ser ecológicos. Mas acontece que ela estava comendo as galinhas”.

Eu disse, depois de certo esforço: “você tem que escolher entre camping ou criação de galinha”. Preferi não dizer nada sobre a “doutrina” ecológica. Só disse: “Não tem nada pior do que você estar dormindo de madrugada numa barraca e o galo do camping, bater asas e cantar”.

Mesmo desconfiando do turismo no Pantanal, com tendência à gastrite aguda e vendo a falência rodear o terreiro para bater na porta da frente, que decidi registrar uma empresa: Ecoventuras, com sede na Avenida J.P.Pedrossian, em Mirada. A proposta é ótima. Turismo ecológico com toque de aventura. Ou aventura com preocupação ecológica. O carro-chefe da Ecoventuras continua sendo o “caiaque expedição” – minha modalidade – a melhor maneira de ver o Pantanal. É uma modalidade de turismo já recomendada pelo guia de turismo aventura no Brasil. Além do caiaque, pensei introduzir o cicloturismo – quer dizer Pantanal de Bicicleta e safáris de veículos para grupos pequenos e com capacidade de entrar e sair de problemas. Todas as modalidades devendo respeitar a natureza.

Foram no período de testes para as expedições criadas pela Ecoventuras onde aconteceram as aventuras narradas neste trabalho. Aprender foi a palavra mais usada no período e continua sendo. Aprender roteiros, descobrir estradas, fazer amizades e descobrir.

Entre as coisas que se pode confirmar é que todo ser humano tem dois lados, além do esquerdo e do direito. Todos têm um lado aventureiro. Todos têm um lado acomodado. É preciso conhecer o “acomodado” para dar valor a aventura e vice-versa. Caso não haja equilíbrio entre esses dois extremos, pode advir a síndrome do que a ECOVENTURAS chama de “brocha”.

Miranda se encontra em uma encruzilhada. Está ao lado do asfalto da BR 262 num ponto onde se pode tomar a MS 339. A primeira liga Campo Grande a Corumbá e daí com Santa Cruz de la Sierra, La Paz, Lago Titicaca, Machu Picchu e o mundo. A segunda é mais interiorana e leva à Fabrica de Cimento que fica na cidade de Bodoquena. Bodoquena está na serra do mesmo nome e é nesta serra onde fica Bonito com as atrações que todo o Brasil já conhece e que, com muita razão, não se pode deixar estragar.

Ecologicamente, Miranda está numa região de acesso à vários ecossistemas diferentes, biotas, fauna, flora, geomorfologia, hidrologia, climatologia diferentes. A cidade já está no Pantanal. Dois quilômetros do centro é Pantanal. O turista não vê isso deviudo a pressa. As agências não enxergam porque são sensacionalistas. À direita, há inúmeras estradas de terra, trilhas que possibilitam a exploração do “cerrado mirandense” – frase essa que não existe oficialmente. Há várias elevações em Miranda de onde se pode ter uma visão impressionante da área circundante em um raio de pelo 100 quilômetros ou mais. À esquerda, na direção da cidade de Bodoquena, está a Serra. E em tudo isso há um tempero extra: a história. Miranda já existia quando Campo Grande usava fraldas. Em toda a região citada há quase 500 anos de história branca e mais de mil anos de história indígena. Nos últimos 300 anos tem acontecido uma mistura das duas. Da indígena com a branca, dos poderes conflitantes dos reinos da Europa entre si, e finalmente dos conflitos do Brasil, Bolívia e Paraguai. Aí está o ambiente que vamos explorar.

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